Vacina contra a miséria

Enquanto o coronavírus mata empregos, cresce o apelo da renda básica universal: o dinheiro dado pelo Estado

Breno Castro Alves Colaboração para o UOL, em São Paulo Reinaldo Canato / UOL

Com a economia paralisada e o desemprego que aumentará em decorrência do isolamento social necessário para desacelerar a covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, cresce no mundo o debate sobre a renda básica —dinheiro distribuído pelo governo para todos os cidadãos, ou para uma parcela deles.

Até países como os Estados Unidos, coração do capitalismo, vêm avançando em propostas do tipo - o Congresso norte-americano aprovou na última semana um pacote que prevê até R$ 15 mil por família de classe média.

No Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou inicialmente R$ 200, durante três meses, para 38 milhões de trabalhadores informais e autônomos. Bombardeado por críticas, o governo assistiu à Câmara dos Deputados subir o valor para R$ 500. Pressionado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse durante a sessão que aceitava R$ 600. Na última quinta (26), foi aprovado por unanimidade o projeto de lei que garante R$ 600 como auxílio emergencial para trabalhadores sem carteira assinada.

A medida ainda tem que passar pelo Senado.

O estado de calamidade que o país atravessa destravou as engrenagens do Estado brasileiro para aprovar o projeto. A ideia, porém, não é nova, nem exclusividade do Brasil.

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Reinaldo Canato / UOL/Reinaldo Canato / UOL)

Como é a proposta que avança no Congresso

Quanto será pago?

  • R$ 600 por mês, durante 3 meses, prorrogáveis por mais 2

Quem poderá receber?

  • Quem tiver mais do que 18 anos e não tiver emprego formal, aposentadoria ou benefício assistencial do governo
  • A família não pode ter renda maior do que R$ 3.135
  • Em 2018, não pode ter recebido mais do que R$ 28.559,70
  • Poderá solicitar também quem for MEI ou outros trabalhadores por conta própria
  • Mães de família que cuidem sozinha da família receberá R$ 1.200

Como pedir o benefício?

  • Ainda não foi definido. A ideia é que a Caixa Econômica Federal faça o pagamento

A partir de quando o dinheiro será liberado?

  • Ainda não se sabe. É preciso que a medida passe no Senado.

Famílias com muitos filhos receberão por cada criança?

  • Não. O pagamento é para maior de 18 anos, não pode ser acumulado com o Bolsa Família e há limite de R$ 1.200 por família.

Trabalhador com carteira assinada que deixar de receber salário poderá pedir o benefício?

  • Não. O governo estuda outras medidas para esses casos.
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Diferentes espectros políticos

  • Lei desde 2004

    Desde 1991, quando foi eleito senador pela primeira vez, Eduardo Suplicy (PT) defende que o governo distribua renda -- e não apenas em tempos de crise. Em 2004, viu a aprovação de um projeto seu, a Lei nº 10.835, que institui a renda básica de cidadania: dinheiro pago a todo cidadão, independentemente da classe social, para arcar com despesas básicas de educação, alimentação e saúde. "Uma mulher que vende o corpo para botar comida na mesa de seus filhos, ela é livre? Dificilmente. Apenas com uma renda básica ela alcançará a capacidade de dizer 'não'", afirma. Aprovada pelo Legislativo na época de Lula (PT), a lei atravessou os governos de Dilma (PT), Temer (MDB) e, agora, Bolsonaro (sem partido) sem ainda ter sido implementada. "Sabe quem votou a favor, como suplente na Comissão de Constituição e Justiça? Jair Bolsonaro, ele mesmo", diz Suplicy ao UOL.

    Imagem: Marcelo Justo/ UOL
  • Apoio liberal

    Ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, o economista e consultor Alexandre Schwartsman defende a austeridade fiscal. Hoje, porém, avalia que a transferência de recursos, durante a crise do coronavírus, é a única alternativa. "Houvéssemos realizado cedo testes em massa e distanciamento social, as perspectivas não seriam tão sombrias. Mas agora é inevitável parar a produção de tudo que não for essencial", considera. Aponta que, como consequência imediata, teremos grandes parcelas da população sem consumir, causando falência massiva de pequenas e médias empresas. "O governo federal necessita de uma proposta expansiva, que salvará vidas enquanto, sim, criará impacto fiscal gigantesco", avalia. Ele calcula que as medidas de contenção devem elevar o déficit público de 2020 para R$ 500 bilhões. "Mas não podemos deixar brasileiros morrerem aos milhares", avalia.

    Imagem: Ze Carlos Barretta/Folhapress
PAULO GUERETA/ESTADÃO CONTEÚDO PAULO GUERETA/ESTADÃO CONTEÚDO

Renda básica como política permanente

  • Alaska (EUA)

    No ano passado, todo morador do Alaska recebeu o equivalente a R$ 8.020, sem contrapartida. Desde 1976, um fundo financiado pelo imposto sobre a exploração do petróleo é distribuído entre a população

  • Macau (China)

    A partir dos impostos recolhidos de casinos e hotéis, distribui renda para todos os residentes da região. Em 2018, cada um recebeu o equivalente a R$ 6.200

  • Maricá (RJ)

    A cidade distribui sua moeda social, a mumbuca, que deve circular apenas no comércio local. Este ano, o município repassa 130 mumbucas por mês, que equivalem a R$ 130, para 30 mil habitantes, cerca de 20% da população

  • Quênia

    O país africano é palco de um experimento da organização GiveDirectly, que oferece R$ 110 por mês a 20 mil quenianos

Andre Porto/UOL

Articulação da sociedade civil

Após o anúncio inicial do governo federal, que pretendia destinar R$ 200, diversas iniciativas na sociedade civil passaram a se articular para pressionar que o valor fosse ampliado.

Uma delas — e talvez a maior, a Renda Básica — reúne o apoio de 150 entidades da sociedade civil e colheu mais 500 mil assinaturas desde a semana passada. Agora, pressiona o Senado para aprovar a medida que já passou pelos deputados e tenta ampliar para seis meses o benefício e estendê-lo aos trabalhadores com carteira assinada que deixem de receber salário.

"Estamos apresentando uma proposta moderada, compatível com nosso Legislativo", diz Douglas Belchior, 41, membro da Coalizão Negra por Direitos, uma das 148 entidades que apoiam a iniciativa.

Ele afirma que uma ação mais contundente envolveria o perdão de dívidas da população mais pobre, a imediata anulação de contas de água e luz e taxação de grandes fortunas. "Mas sabemos que não há esse contexto, por isso ficamos com essa proposta que não chega a 2% do PIB, pequena em momento de calamidade", avalia.

Ele afirma que, ao possibilitar que os mais pobres sigam consumindo mesmo durante a recessão, a renda básica ameniza os efeitos do colapso econômico.

Pesquisa realizada no Quênia pela Universidade da California - Berkeley corrobora a tese e diz que cada R$ 1 investido em renda básica representa um retorno de R$ 2,7 para a economia local.

Alguns países que distribuirão dinheiro em resposta à covid-19

Reinaldo Canato / UOL/Reinaldo Canato / UOL)
  • EUA

    O congresso dos EUA aprovou nea quarta (24) pacote que prevê a transferência direta de US$ 1.200, ou R$ 6.000, por pessoa, com o teto de US$ 3.000, cerca de R$ 15.000, por família, para todos os cidadãos das classes média e trabalhadora do país

  • Cingapura

    Repasse único de até US$ 300, ou R$ 1,5 mil, a depender da renda, com possibilidade de US$ 100 adicionais, R$ 500, para cada filho menor de 21 anos

  • Irã

    Repasse de US$ 400, cerca de R$ 2 mil, em quatro parcelas a três milhões de famílias

  • Peru

    Repasse de US$ 107, ao redor de R$ 535, a nove milhões de famílias

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